Carol Shaw: A primeira mulher desenvolvedora de jogos eletrônicos

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Carol Shaw
Carol Shaw segurando seu jogo, River Raid (Fonte: Reprodução)

Em dezembro de 1982, o jogo River Raid foi lançado para Atari 2600 – pela empresa Activision. Pouco tempo depois, River Raid se tornou um dos 13 jogos que venderam mais de 1 milhão de cópias na plataforma – se tornando não só um um clássico, como também um dos jogos mais populares da época.

Um ano depois do seu lançamento, o River Raid foi eleito como o jogo mais desafiador pela revista InfoWorld. No ano seguinte, em 1984, foi considerado como “O jogo mais jogável e divertido do mundo” pela revista The Desert News, e ganhou o prêmio de “melhor game de ação do ano” e um certificado de mérito na categoria “1984 Best Computer Action Game” (ou “O Melhor Jogo Eletrônico De Ação de 1984”) durante o 5º Arkie Awards.

As diversas premiações e as milhares de vendas tiveram motivo: River Raid foi inovador para a época. O jogo possui velocidades diferentes, colisão com diferentes objetos – que agiam de formas diferentes, onde alguns ficavam parados e outros se movimentavam lentamente ou rapidamente – e um sistema de abastecimento da aeronave do jogador. 

O jogo também é considerado o pai do Checkpoint, pois era necessário que a aeronave controlada pelo jogador abastecesse para continuar seu trajeto.

A pessoa por trás desse jogo, Carol Shaw, foi a primeira mulher a desenvolver um jogo eletrônico.

Prêmios de Carol Shaw
Carol Shaw segurando suas premiações (Fonte: Reprodução)
Carol Shaw

Carol nasceu em 1955 em Palo Alto, uma cidade da Califórnia – onde também passou sua infância e adolescência. Seu pai era engenheiro mecânico e trabalhava na Standford Linear Accelerator Center (ou o Centro de Aceleração Linear de Standford) – um laboratório que realizava projetos relacionados à energia para o governo. Sua mãe era dona de casa, mas, após um tempo, começou a trabalhar em uma livraria.

Shaw era a irmã do meio de dois irmãos, e geralmente participava das brincadeiras que eles faziam. Seu pai e irmãos começaram a brincar com trens em miniatura e modelos de ferrovia, então ela começou a brincar também. Carol montou circuitos com alguns transistores para ligar luzes de sinal na mini ferrovia – um projeto que manteve até sua faculdade, e que largou quando entrou no curso de computação.

Desde cedo, ela também possuía contato com jogos eletrônicos e com a matemática.

Ela jogou Computer Space, o primeiro jogo arcade comercial, em uma sala de jogos arcade que havia no clube onde os pais jogavam minigolfe.

Durante seu ensino fundamental e ensino médio, ela participou de várias competições de matemática, ganhando prêmios. E, desde pequena, Carol também enfrentou preconceito por participar ativamente da área de STEM (Science, Technology, Engineering e Mathematics – ou Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em português):

As pessoas diziam:  ‘Nossa, você é boa em matemática para uma garota’. Isso era meio irritante. Por quê garotas não deveriam ser boas em matemática?Carol para a revista Vintage Computing.

Carol Shaw em sua bicicleta
Carol Shaw em sua bicicleta (Fonte: Reprodução)

Na escola, Carol usou um computador pela primeira vez para escrever pequenos programas para as aulas de matemática. Ela se sentia intimidada no inicio, pois a sala de computadores era frequentada por uma maioria masculina.

Com o passar do tempo, Carol deixou de se preocupar com o que as pessoas pensavam. Por ser solitária e fazer tudo sozinha, ela deixou de se incomodar por ser a única mulher no ambiente.

A máquina era baseada na linguagem BASIC, e Carol descobriu que o computador, além de permitir a digitação de programas, também permitia que o usuário jogasse jogos baseados em texto, como Star Trek. 

Assim, Carol Shaw foi introduzida ao mundo da tecnologia, por meio da prática de programação.

No começo, Carol não sabia qual curso superior iria fazer. Ela primeiro ingressou na Faculdade de Letras e Ciências. Esse curso possuía uma matéria na área da tecnologia, já o curso de Engenharia possuía uma matéria na área de engenharia elétrica. E ambas matérias eram do interesse de Carol.

Então, apoiada pelos pais, ela realizou uma transferência para o curso de Engenharia Civil, para estudar as matérias que ela preferia.

Depois, Carol ingressou em várias matérias de programação, ou que envolviam computadores. Ela deu ênfase nos estudos de software, mas também fez algumas matérias de hardware.

Após se formar em 1977, ela realizou mestrado em Ciência da Computação – que durou um ano. Ela já havia ido para entrevistas de emprego de diversas empresas durante seu ensino superior, e, quando estava prestes a se formar, ela foi entrevistada pela Atari.

Seu trabalho na Atari

Carol nunca havia escrevido jogos antes, mas a empresa a contratou pela experiência em programação.

No ambiente de trabalho, ela enfrentou preconceito por ser mulher em um ambiente de desenvolvimento de jogos.

 

Uma vez, quando eu estava trabalhando no laboratório, Ray Kassar, o presidente da Atari, estava fazendo um tour pelo local e falou: ‘Nós temos uma mulher desenvolvedora de jogos. Ela pode fazer a combinação de cores e a decoração interior dos cartuchos’. E estes eram dois tópicos que eu não tinha interesse.” – Carol para a revista Vintage Computing.

Já entre ela e os outros desenvolvedores, não havia discriminação de gênero. Ela era a única mulher desenvolvedora de jogos na indústria, mas não era a única mulher trabalhando na mesma empresa.

Trabalhando na Atari, ela fez a arte, programação e/ou design de cinco jogos: Polo;  Jogo da Velha 3d (3D Tic Tac Toe), onde você podia jogar contra uma inteligência artificial ou contra outro jogador; Video Checkers; Othello; e Super Breakout.

Capa do jogo Video Checkers
Capa do jogo Video Checkers (Fonte: Reprodução)
capa do jogo 3d tic tac toe
Capa do jogo 3D Tic Tac Toe (Fonte: Reprodução)
Saindo da Atari, entrando na Activision

Seu emprego na Atari não estava tão divertido como antes, e havia se tornado estressante. Por isso, Carol foi trabalhar na Tandem, onde ela fazia a programação em Assembly para alguns dispositivos de uma enorme máquina.

Haviam muita mulheres trabalhando na Tandem, além de Carol. Inclusive, por um tempo, sua superior era uma mulher.

Carol saiu da Tandem e ingressou na Activision após dezesseis meses de trabalho. Shaw foi a primeira mulher desenvolvedora de jogos na Activision, e, posteriormente, a empresa contratou outra.

Foi na Activision que ela projetou o sucesso River Raid.

capa do jogo river raid
Capa do jogo River Raid (Fonte: Reprodução)
River Raid

River Raid foi inspirado em um jogo chamado Scramble, que era ambientado em um cenário espacial, como vários jogos da época. Shaw optou por fazer um jogo do mesmo estilo inicialmente, mas Al Miller – cofundador da Activision – sugeriu que ela fizesse algo diferente do padrão.

Shaw então pensou em um jogo de tiro com o sistema de rolagem de tela. Ela estava desenhando os gráficos e optou por fazer a rolagem de tela ser vertical, com um rio e dois pedaços de terra em cada lado da tela.

Em seguida, ela projetou um barco para ser controlado pelo jogador. Mas, depois de uma sugestão de Dave Crane, um colega da empresa, ela mudou para um jato.

A técnica para gerar os mapas era bem única. Como a máquina só possuia 4 Kbytes de memória ROM, não havia muito espaço para armazenar os gráficos. Então, por meio de cálculos, um gerador de números pseudoaleatórios escolhia não só a localização dos objetos no mapa, mas também a geração dos pedaços de terra. Assim, os mapas e inimigos se tornavam diferentes cada vez que se iniciava o jogo.

A dificuldade também aumentava: ao longo do tempo, o rio ficava mais estreito e o número de tanques de gasolina disponíveis para o avião diminuíam. Em outras versões dos jogos, os ataques dos inimigos se tornavam cada vez mais traiçoeiros conforme o jogador progredia.

Além disso, Carol projetou o jato para acelerar quando o usuário se movesse na diagonal e vertical, o que tornou a jogabilidade muito melhor em comparação aos jogos daquela época.

Quando considerou que o jogo estava terminado, Carol Entrou em contato com os chefes da empresa. E eles sugeriram que Carol trabalhasse mais no jogo: mudando as cores – que antes eram psicodélicas – e aprimorando a programação. Após as mudanças, o jogo foi lançado e foi um sucesso em vendas.

Carol Shaw ganhou uma placa de ouro quando River Raid vendeu 500 mil cópias. E, mais tarde, ela ganhou uma placa de platina por ter vendido um milhão de cópias.

River Raid ainda teve versões para o Atari 800 e Atari 5200, com algumas mudanças no modo de jogo. Por exemplo, diferentes rios dependendo da direção que o jogador seguir. Peter Kaminski, um colega da empresa, programou River Raid para Intellivision, e outra pessoa, para ColecoVision.

Prêmio de Carol Shaw
Placa de platina de Carol Shaw (Fonte: Reprodução)
Outros Projetos

Ainda na Activision, Carol teve uma nova ideia. Ela começou a trabalhar em um jogo chamado Happy Trails, que era inspirado em um jogo chamado Locomotion – um puzzle de arrastar blocos. Happy Trails foi programado para Intellivision, que era bem menos limitado que o Atari. Assim, o plano de fundo podia ser mais detalhado, e mais objetos poderiam ser inseridos no jogo.

Originalmente, haviam carros de corrida no jogo, mas Dave Crane sugeriu que o tema envolvesse um boneco com chapéu preto e branco coletando prêmios.

Os jogos na época eram de ordenar números em matrizes 4×4, arrastando os blocos para isso. Baseado nessa ideia, em Happy Trails você movia os blocos e montava uma estrada para personagem andar. E assim, ele conseguia coletar o dinheiro e ganhava uma pontuação.

Depois de Happy Trails, Carol ainda programou outro jogo para ColecoVision: Uma aventura gráfica onde você podia se movimentar em um labirinto em baixo da terra. Mas os planos não eram somente esses, o jogo seria bem mais expandido.

Porém, Carol estava se cobrando muito para programar um jogo tão bom quanto River Raid, e isso começou a deixar seu trabalho estressante. Então ela tirou um tempo para descansar, e acabou nunca finalizando este jogo, apesar de existirem protótipos.

Um tempo depois, ela decidiu sair da Activision e voltar a trabalhar para a Tandem, onde foi contratada novamente para trabalhar na mais nova máquina da empresa.

Capa do jogo Happy Trails
Capa do jogo Happy Trails (Fonte: Reprodução)
Capa do Computer Program Diskette Calculator
Capa do programa Computer Program Diskette Calculator (Fonte: Reprodução)
Aposentadoria

Shaw trabalhou para a Tandem por mais seis anos, de 1984 até 1990. E lá ela trabalhava fazendo computadores para processar coisas como sistemas de reservas aéreas, e sistemas de bolsas de valores. Haviam diversos processadores na máquina, que nunca parava. Se você puxasse um processador para fora do computador, ele continuava funcionando.

Quando o esposo de Carol conseguiu um emprego na empresa Xerox Palo Alto Research Center, ela decidiu se aposentar. Ela havia ganhado dinheiro suficiente para isso, com seu sucesso no River Raid e algum investimento.

Mesmo aposentada, ela fez trabalho voluntário para o Instituto Foresight – onde seu esposo trabalhava -, que eventualmente a contratou por meio período para ser Chefe do Escritório de Informações, onde ela fazia a manutenção de servidores MACs e Windows NT. E em 2001, ela saiu desse emprego.

No mesmo instituto, ela também participou do projeto MASS (Molecular Assembler Sequence Software), que foi escrito na linguagem C++ e ajudava na modelagem molecular de elementos – construindo-os átomo por átomo. O projeto estava relacionado ao trabalho de seu marido na área de nanotecnologia. O slogan do Instituto era “Preparando para a NanoTecnologia”.

A versão preliminar mostrava alguns rolamentos e engrenagens que foram projetados, mas ela nunca terminou o projeto. 

Carol Shaw e seu esposo
Carol Shaw e seu marido (Fonte: Reprodução)
Vida Atual

Carol se afastou da mídia para viver uma vida tranquila, pois não queria fama ou publicidade. Em 1999, ela deu sua última entrevista na gravação de “Stella at 20”.

Seu costume de andar de bicicleta, que se iniciou com suas idas e voltas para seu trabalho na Atari, permaneceu. E seu gosto por jogos também: Carol Shaw revelou em uma entrevista que gostar de jogar SimCity, um jogo de monitorar e construir cidades, e também revelou não gostar muito de jogos de console.

Carol também possui um site que fala sobre ela, mas não há nada sobre videogames lá. Nem mesmo River Raid, ou outros jogos que foram criados por ela.

Hoje em dia, a primeira mulher desenvolvedora de jogos vive uma vida tranquila, sabendo que foi pioneira em sua área e que inspira milhares de outras mulheres ao redor do mundo.

Carol Shaw idosa
Carol Shaw (Fonte: Reprodução)
Impacto do Gênero na Profissão

Apesar de ser a primeira mulher a ser desenvolvedora de jogos, Carol Shaw relatou em uma entrevista para a Vintage Computing que nunca sofreu assédio sexual ou dificuldades baseadas em seu gênero – fora o incidente com Ray Kassar – mas reconhece que em outras empresas provavelmente haviam esse tipo de comportamento em relação às outras mulheres da área.

Carol teve contato com o feminismo nas aulas de sociologia no ensino médio, e relatou que acredita que este movimento fez com que as mulheres se sentissem livres para ingressarem na área da tecnologia.

Em relação ao baixo índice de mulheres trabalhando como programadoras, Carol citou uma pesquisa que especula que isso ocorre pois as mulheres não querem ser vistas como nerds. 

Por fim, sua dica para mulheres e meninas que querem seguir a carreira de design de jogos ou de ciência da computação é:

O principal é achar algo que você gosta de fazer tem interesse em fazer. Se é algo que você gosta de fazer, siga em frente e faça. Não deixe as pessoas dizerem que você não consegue.’ – Carol para a revista Vintage Computing.

Referências

EDWARDS, B. Carol Shaw, Atari’s First Female Video game Developer. Vintage Computing and Gaming. VC&G Interview. 21 de out. de 2011. Disponível em: <http://www.vintagecomputing.com/index.php/archives/800>. Acesso em 15 de set. de 2021.

GNIPPER, P. Carol Shaw, a primeira desenvolvedora de jogos eletrônicos. Canal Tech. 05 de ago. de 2016. Disponível em: <https://canaltech.com.br/internet/mulheres-historicas-carol-shaw-a-primeira-desenvolvedora-de-jogos-eletronicos-75877/>. Acesso em 16 de set. de 2021.

Escrito por...

  • Autista, 22 anos. Estudante da área de Dados e pesquisadora sobre 'Mulheres na Tecnologia'. Cursando o 8º período do curso de Bacharelado em Ciência da Computação pelo IFCE, o 2º semestre do curso Técnico em RH pelo SENAC e o 1º semestre do curso técnico em Administração pelo IFSULDEMINAS. Idealizadora, webmaster, chefe de redação, redatora e web designer do Projeto Lua e da Revista Devas.

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